Aparência
(Analogia)
Tem umas cicatrizes estranhas em meu corpo.
Seria fácil demais fazer uma analogia
Entre as minhas cicatrizes misteriosas
E as tantas que já se formaram fora da minha vista.
Seria fácil, portanto dispensável.
Afinal de contas, que posso falar eu das injustiças
Que não vi nem vivi, nem ao menos me importei até hoje?
Como poderia eu ser tão hipócrita?
Ao mesmo tempo poderia eu fazer uma analogia vã
Entre as minhas cicatrizes limpas e misteriosas
e outras tantas coisas fascinantemente obscuras.
Quiçá até mesmo marcas de glórias passadas!
Vim, vi, venci e ganhei tais cicatrizes!
Mentira! Mais mentira que todas as mentiras juntas.
Mas não seria uma mentira óbvia,
Apenas um recurso poético?
Por que não associar minhas cicatrizes burguesas
À dor dos amores que se foram, que me esqueceram?
Por que diabos fazer tal lixo?
Nego-me a entender tal “dor” tão enfadonha.
Essas cicatrizes são, sim, marca de autonomia:
Nada mais, nada menos, nem nada especial.
Representam eu, apenas eu, minhas marcas.
Marcas d’água da minha pessoa, em minhas costas.
Que fácil é fazer analogias vagas, feias, pobres.
Analogias dementes, burguesas, adolescentes.
E como se fosse eu um equilibrista bêbado
Fujo covardemente de tais comparações.