Futilidade
É como vejo o mundo à minha volta.
Tudo o que vejo nos outros contraria
As vontades mais íntimas do meu ego.
Fúteis, vagos, vazios inúteis.
Conchas vazias perdidas num oceano
Magnífico, estupendo.
Conchas vazias, como pedras, como areia
Incapazes de perceber a beleza
Do azul infinito no qual estão contidos.
Os olhos oblíquos, mas não dissimulados.
Olhos turvos, opacos, sem foco.
Olhares feios que me mostram a que passo anda
O mundo, recheado de tais vácuos.
Eis que vejo a matéria escura da sociedade!
Causa-me ânsia, tenho asco.
É um simples desejo de reformular todos
Que jamais poderá se cumprir.
Mas que me causa tal decepção?
Acho que a simples desilusão de ver
Que os mais ativos revolucionários
São apenas, e tão somente, iludidos
Pela alma jovem que os compõe
E que os mais capazes de revolucionar
São aqueles que perderam o espírito
E acabaram por desiludir-se no caminho.
Maldita sociedade antitética!
Faz-me crer em hipóteses lindas
Para só então comprovar, quase cientificamente,
A impossibilidade das mesmas.
Incorruptíveis, honestos, fiéis,
Sinceros, bondosos, gentis.
Onde estão? Por que preocuparam-se
Em corromper, enganar, trair,
Mentir, machucar e magoar?
Por que mudaram, por que cresceram?
Por que são tão vis, seus miseráveis
Maquiavélicos imprestáveis,
Que mesmo aos amigos manipulam,
Que até à própria honra traem
Para poder desprezar o que,
Desprezavelmente, conseguiram?
São tantos por quês de indignação!
São muitos, e assim devem ser.
Diga-me por que diabos iludem-se
Meus companheiros de evolução?
Não podem adotar uma postura mais realista?
Não mudarás a sociedade!
Poder expressar-se e ter a capacidade
De manipular uma coisa ou outra
Não mudará tudo, talvez até nada.
Porém, desfazendo-me da hipocrisia:
Não deixeis de tentar!
Afinal de que adianta achar que nada muda
Se não tentamos de fato mudar?
Eu mesmo continuo lutando
E um dia hei de conseguir,
Iludindo-me em meu sonho,
Mudar a arte, mudar a religião
Das pessoas, mudar seus motivos!
Propagar a ciência, ver a santidade definhar.
Conseguirei? Não faço idéia!
E não por isso deixarei de tentar,
Ao mesmo tempo sem cair na tentação
Iludida da certeza do sonho realizado.
Envergonhar-me-ia ao corromper-me,
Mas corromper-me-ia?
Não digo que sim, muito menos que não:
Apenas sigo tentando
Ser aquele que, em meus ideais,
Quero todos que sejam.