Inédito

Pode vir a ser inédito a uma pedra
Ter sentimentos, tais quais a felicidade,
A tristeza, a solidão, a amargura,
O contentamento, o conforto, o medo.

Para uma pedra…. Para uma pedra!
Por que não sou eu uma pedra?
Ser pedra seria tão mais fácil!
Tão melhor! Ah! Eu quero ser pedra.

Eu quero ter a metafísica das árvores,
Como me disse o mestre eterno.
Eu não quero suportar meus dilemas fúteis.
Fúteis até o que se pode imaginar.

Não somos, na condição de seres vivos,
Adaptados a mudanças bruscas, surpresas.
Dá-nos medo o que nos é inaudito.
Por que haveria de ser diferente?

Resta-nos driblar a incerteza, a surpresa.
Resta-nos o que nos resta, isso basta.
Não pensemos, que nossa mente não o sabe fazer!

Há mais coisas entre o céu e a Terra, Horácio,
Que sonha toda e qualquer filosofia.

Assim sempre foi e assim sempre o será.
Contentemo-nos.

Fé e Felicidade

Tocaram as clarinetas do paraíso!
(Que não existe)
Foram abertos os portões do céu
(Que não existem)
Para que os sentimentos mais lindos
(Que existem)
Pudessem sair.

Todos os meus se foram

Todos os meus sonhos tolos
De criança, adolescente, jovem;
Todos os meus sonhos de sonhador se foram!
Se foram como arbustos em chamas!

Todos os meus sonhos! Todos,
Sem exceção, se foram n’um pé-de-vento
E, como que por trivialidade,
Foram como se ir sempre fossem.

Tudo em que eu cria morreu,
Todas as minhas esperanças de nau foram.
Meus ideias, todos, cada um deles,
Putrefizeram-se a sete palmos sob a terra.

Tudo isso para que? Por quê? Por quê?
Eu ainda sou jovem! Eu quero viver!
Eu quero sonhar, sorrir, ser tolo!
Eu quero crer, meu Deus, eu quero!

Mas concluo fácil um pensamento conciso:
Será que o problema é mesmo comigo?
Pra ser feliz, será que d’Ele eu preciso?
Pois crer em Deus, meu deus! Eu não consigo!

Aparência
(Analogia)

Tem umas cicatrizes estranhas em meu corpo.
Seria fácil demais fazer uma analogia
Entre as minhas cicatrizes misteriosas
E as tantas que já se formaram fora da minha vista.

Seria fácil, portanto dispensável.
Afinal de contas, que posso falar eu das injustiças
Que não vi nem vivi, nem ao menos me importei até hoje?
Como poderia eu ser tão hipócrita?

Ao mesmo tempo poderia eu fazer uma analogia vã
Entre as minhas cicatrizes limpas e misteriosas
e outras tantas coisas fascinantemente obscuras.
Quiçá até mesmo marcas de glórias passadas!

Vim, vi, venci e ganhei tais cicatrizes!
Mentira! Mais mentira que todas as mentiras juntas.
Mas não seria uma mentira óbvia,
Apenas um recurso poético?

Por que não associar minhas cicatrizes burguesas
À dor dos amores que se foram, que me esqueceram?
Por que diabos fazer tal lixo?
Nego-me a entender tal “dor” tão enfadonha.

Essas cicatrizes são, sim, marca de autonomia:
Nada mais, nada menos, nem nada especial.
Representam eu, apenas eu, minhas marcas.
Marcas d’água da minha pessoa, em minhas costas.

Que fácil é fazer analogias vagas, feias, pobres.
Analogias dementes, burguesas, adolescentes.
E como se fosse eu um equilibrista bêbado
Fujo covardemente de tais comparações.